top of page

sérgio salomão

relicário

Relicário, da série “Dois Mil e Mais Quantos Anos?” - 2021
Cera, plástico e folha de ouro sobre livro
17 x 25 x 4 cm

A religião me instiga desde sempre. Meu nome é Sérgio de batismo e cartório, filho de Cléia e Lutero. Neto de um curioso casal do interior. Até aí, nenhuma surpresa, mas seguirei contando essa história na esperança de que chegue até o fim.

Antes mesmo do meu pai nascer, minha avó havia combinado, entre seus irmãos, que cada um daria a um de seus filhos o nome de um “revolucionário”, e assim eles fizeram. Dentre os treze irmãos, todos providos pela letra L como inicial de seu nome, meu pai foi chamado de Lutero - de cartório, mas não de batismo. Isso porque, quando ele nasceu, o padre se recusou a dar o sacramento a uma criança com o nome de um protestante. Minha avó, muito beata e mais que temerosa pelo futuro de seu filho, sem a tão necessária benção, precisava dar um jeito.

Meu avô que, assim como o Padre, era muito teimoso, ficou sabendo que seu filho não seria batizado por conta do nome. Logo esbravejou: “Então não terá batismo”. Mas isso não deteria uma senhora tão fervorosa, e foi então que minha avó bolou o plano para batizar seu filho. A data foi marcada, o dia finalmente chegou, meu pai foi batizado e tudo ocorreu bem na cerimônia. Ao fim, minha avó respirou aliviada.

Passaram-se os anos, até que chegou o dia do casamento do meu pai e um grande problema aconteceu - seu batistério havia sumido. Na busca por tal documento, minha mãe foi conversar com minha avó, que precisou revelar o que tinha até então ficado em segredo. Para que meu pai fosse batizado, ele teria que ter seu nome trocado, mas meu avô não podia saber desse fato.  Entre os treze irmãos, todos providos pela letra “L” como inicial de seu nome, meu pai foi afinal chamado de EuLutero, o que meu avô não percebeu quando foi pronunciado durante o batismo. 
Meu avô morreu antes desse casamento, provavelmente sem saber dessa história, mas algo nele já dizia que aquele padre era muito teimoso para ceder. Ele morreu durante uma chuva de granizo, enquanto montava seu burro que, “carinhosamente” (e curiosamente), tinha o mesmo nome que o padre que batizou seu filho. 

Mas, sabe o que mais me intriga nessa história? Lembra dos nomes de grandes revolucionários, que os irmãos de minha avó dariam a um de seus filhos? Foram Hitler, Mussolini, Stalin, Einstein... todos eles batizados sem questionamentos.

bottom of page